MILAGRES DA TERRA DA ÁGUA E DO FOGO
Telheiros de Santa Catarina da Fonte do Bispo
Cheira a terra e a suor em Santa Catarina. O calor dos fornos afaga corpos desnudos junto ao forno dos mil graus. Uma vez por semana ele se apinhará de terra pronta para enrijar, com tempero de pinhas, bagaço, casca de amêndoa. Um endurecer de um dia, no calor dos fornos de mil graus dos telheiros de Santa Catarina. Ao longe, os montes esventrados miram impávidos a vintena de telheiros a quem consentiram o saque. Ali, ao sol tórrido dos algarves, gentes de bronze acariciam quadrados que um dia serão pavimentos muito longe dali, morrerão aos pés de algum bife que se deixe seduzir pela sua simplicidade.
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Com cré nas unhas os penteiam antes da casa do forno, debaixo das mil canas secas que brincam com o sol de Tavira. Antes, já outros recolheram o singular barro da passiva serra, máquinas de há muitos anos engoliram a dádiva, desfazendo percalços em forma de pedra. Água de ali mesmo lambeu depois a poeira, primeiro desdenhosa, até por fim se misturar com ela, apaixonada. Homens vieram roubar a mistela, arremessaram-na às doseadoras, nasceram tijolos de burro, ladrilhos e telhas. O barro deixou-se seduzir pelas mãos sábias de séculos, moldou-se, rendido à sua nova realidade de artefacto. Antes selvagem, conformou-se à domesticação. Depois da água, a secagem. Por fim o fogo redentor. Do suor de uma vintena nasceu terra transformada. Terra única, de Santa Catarina.
Fonte: Sulstício – Algarve em Reportagem, Dezembro/99, Nº1
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